
Epifania e o explicar inefável do rosto
Era já noite quando ouvi de longe falar de Emmanuel Levinas. Tudo me era estranho e diferente, novo e maravilho quando iam me chegando expressões que “quando se vê um nariz, os olhos, uma testa, um queixo e se podem descrever, é que nos voltamos para outrem como para um objecto. A melhor maneira de encontrar outrem é nem sequer atentar a cor dos olhos! Quando se observa a cor dos olhos, não se está em relação social com outrem”. Estas, foram as sóbrias palavras que encheram de entusiasmo o meu ser e reviveram meu grande interesse e carinho por Levinas. Mas na altura, estava ainda percorrendo as linhas do sociólogo e filósofo austríaco Alfred Schutz que articulava o mundo da vida husserlino nas suas migrações de sentido que tomam os contornos de províncias finitas de significado em que cada uma era dotada de autonomia própria. “Cada uma é um universo simbólico, virtualmente auto-suficiente, dentro do qual se permanece até que um trauma, uma passagem brusca e descontínua, um salto kierkegaardiano nos leva a ultrapassar os seus limites”. São tantas as coisas que as posso tecer neste conceito de migrações de sentido àquilo que pode espelhar a real situação do nosso cosmos mas, o que mais marcou-me é que “a passagem dos vários mundos vitais à dimensão da ciência não é uma passagem do conhecido para o sabido, do sentido para a verdade; é uma abertura daquilo que é mais ou menos familiar para aquilo que não é, mas que se pode tornar” e, é nesta abertura àquilo que nos é mais ou menos familiar para aquilo que não nos é mas que nos pode ser que me vou enastrar no pensamento de Levinas sobre a epifania e o explicar inefável do rosto que não se pode reduzir a um simples fenómeno ou material mas a uma cadeia de significação porque o “face-a-face não é meramente uma modalidade da coexistência, nem mesmo um conhecimento… mas uma produção original do ser”.
Deste modo, o face-a-face de um homem ante o outro catapulta a esfera sensível, os traços que nos chegam por meio da nossa visão que não traz a veracidade da essência deste pois que, a essência do homem se articula e se presentifica no rosto, “onde ele é infinitamente outro” dado que, o encontro com o rosto do outro resulta-se numa experiência de infinito. Com efeito, é neste encontro em que o outro se dá como pessoa no seu alter ego irredutível isto é, permanece ele fora de mim. Mora no rosto do outro, como dissera Etelvina Nunes, o vestígio de um enigma que aponta para algo que nele é sempre passado, algo “deixa um excesso de significação pela qual o Infinito me vem à Ideia”. É neste infinito do rosto que tomamos o inefável. Por isso, “o outro nunca é um só, mas também e sempre vós. Cada rosto no face-a-fece é igualmente a epifania de uma família, de uma classe, de um povo, de um todo, e ainda mais, do outro absoluto. O rosto do outro (…) é a palavra primeira e suprema, é o dizer em pessoa, é o gesto significante essencial, é o conteúdo de toda significação possível em acto”. É por esta linha que a pessoa do outro se apresenta no rosto como presente e ausente, perto e distante, claro e obscuro – epifania e inefabilidade.
O rosto, “é infinitamente distante, ainda que intimamente presente, exprime-se no sensível, mas rasga-o”. Segundo Francis Jacques, “esta espécie de oposição entre proximidade e distância, presença e ausência, que caracteriza a epifania do rosto assinala o embaraço de um pensamento confrontado com a exigência de explicar o inefável”, dai que, a relação com o rosto pode, sem dúvida, ser denominada pela percepção, mas o que é especificamente rosto é o que não se reduz a ele. Neste ponto em que Levinas privilegia sempre e em qualquer instância o outro em primeiro lugar antes dele, como em suas palavras diz “o outro é que determina a minha consciência” busca-se uma revolução em que, enquanto para Husserl a alteridade era relativa àquilo de que a minha consciência tem consciência, para Levinas é o inverso: a minha consciência não toma consciência de si senão a partir da alteridade fundamental que a constitui. “Neste contexto, o outro precede-me”. “Contra Husserl, Levinas defende que não é o eu que determina o outro, mas o Outro que determina o eu”.“A minha consciência, longe de ser possessão última de si, encontra-se já sempre possuída pela alteridade do mundo e do outro que se encontra diante de mim, é por isso que o método analético (é a passagem ao justo crescimento da totalidade desde o outro e para servi-lo criativamente) – ana-lético, que vai mais além, mais acima, vai se enquadrar na teoria de Levinas a medida em que este “parte do outro enquanto livre, como um além do sistema da totalidade; que parte, então, de sua palavra e da revelação do outro” e o dialéctico (passagem da totalidade a um novo momento de si mesmo, se enquadra à Husserl a medida em que este é a expressão dominadora da totalidade desde si; “a passagem da potência para o acto de o mesmo”.
Dionísio Geraldo Bahúle
Parabens mestre!
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